• Entroncamento

    Música composta em parceria com Paulo Viola
    Letra de Alexandre Santos, Música e interpretação de Paulo Viola. Arranjo de Marcos Souza.

     

    Entroncamento

    Alexandre Santos

     

    Alegrem-se. O vermelho está de volta.

    Já é possível adiar a revolta.

    Mais uma vez, esperança de ganhar a vida.

    Nova chance de um prato de comida.

     

    A turba avança.

    Pouco na cabeça e nada na pança.

    Na romaria dos deserdados, cegos e aleijados.

    Correria de mendigos e desempregados.

     

    Cada um no seu lugar.

    Cada um na sua vez.

    Cada qual com seu talento,

    História e sofrimento.

     

    O surdo-mudo mercador.

    Corre contra o fluxo. Corre contra o tempo.

    Flanela no retrovisor.

    Cabide de choro e lamento.

     

    Sem saber o que é infância,

    a criança na janela fechada

    confronta o prisioneiro da ignorância.

    Sonha uma moeda. Uma lufada gelada.

     

    Já cansado, com o corpo moído,

    o menino-pedinte distribui o papel encardido.

    ‘Não roubo, nem cheiro cola’.

    Mensagem clara a quem nada controla.

     

    Surge um malabarista na ribalta.

    Um mestre que faz girar bastões incandescentes.

    Cena rápida que vai e volta.

    Cena rápida do artista impaciente.

     

    Sem aviso ou encomenda,

    o rapaz tenta a prenda.

    Um esguicho, um para-brisa.

    O tostão que escandaliza.

     

    A moça solta a propaganda.

    Apartamentos com suíte e varanda.

    Luta para sobreviver,

    Sonho que nunca vai ter.

     

    O ambulante sorridente.

    Circula gentil e sedutor.

    Fruta reluzente.

    Duvidável qualidade e sabor.

     

    O mendigo diabético.

    Lento, cego e purulento.

    Cético, torce por um gesto ético

    do nojento que o faz violento.

     

    Faina renhida de prêmio e castigo.

    Indiferença de quem só vê o próprio umbigo.

    Susto em quem trava a porta e ri.

    Uma moeda aqui, outra ali.

     

    O tempo se foi. Fim de jornada.

    Um ronco. Volta à calçada.

    Carros levam a vida.

    Desemprego de quem não tem guarida.

     

    Sem ocupação,

    miseráveis voltam a pensar na revolução.

    Mas, o vermelho voltará.

    E tudo recomeçará.

     

    Recife, 1º de agosto de 2005.