Embora não conste dos códigos, entre os grandes crimes está o ‘estalionato linguístico’ – a manipulação da Palavra para induzir alguém ao erro ou dela tirar proveito. Isto é tão sério que algumas palavras são definidas em Lei. É o caso, por exemplo, daquelas que caracterizam crimes ou condutas ilegais. Nem isso, no entanto, elimina a possibilidade do ‘estelionato linguístico’, pois enquadradas no âmbito geral da hermenêutica, até as palavras definidas em lei podem ser reinterpretadas, ganhando significado diverso daquele original. Ontem, por exemplo, correndo o risco de desgastar a sua boa imagem, a Polícia Federal lançou mão de um ‘abuso da hermenêutica’ para livrar o presidente Jair Bolsonaro da acusação de ‘prevaricação’ (crime no qual incidem os funcionários públicos que não denunciam irregularidades que tenham conhecimento). Para quem não lembra, por ocasião da CPI do Genocídio, veio à tona que o presidente Bolsonaro fingiu não ouvir as gravíssimas denúncias de crimes cometidos pelo deputado Ricardo Barros, líder do seu governo na Câmara Federal. A rigor, pouco importando a opinião da Polícia Federal, o presidente Bolsonaro cometeu o crime de prevaricação e deveria ser julgado e condenado por ele. As autoridades precisam saber que a hermenêutica tem limites e, mais ainda, que o estelionato linguístico é um crime tão grave como outro qualquer. AJFS
Autor: Alexandre Santos
Alexandre Santos é engenheiro e escritor. Preside a Associação Brasileira de Engenheiros Escritores, presidiu o Clube de Engenharia de Pernambuco e a União Brasileira de Escritores e faz a coordenação nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural. Autor premiado com livros publicados no Brasil e no exterior, Alexandre é o editor geral do semanário cultural ‘A voz do escritor’ e diretor-geral do canal ‘Arte Agora’.