O Recife já teve grandes prefeitos. Entre eles, Augusto Lucena, que governou a cidade por duas oportunidades – uma vez em função da cassação do prefeito Pelópidas Silveira pelo regime militar em abril de 1964 e outra [vez] por nomeação do então governador biônico Eraldo Gueiros em 1971.
Apesar de ‘meio-doido’ e colaboracionista com o regime militar, Augusto Lucena revelou-se um bom prefeito, sendo responsável por grandes obras – o Palácio Capibaribe (edifício-sede da prefeitura), o Colégio Municipal, as reformas nas pontes do Limoeiro, do Jiquiá, da Capunga e da Caxangá, conclusão da Avenida Caxangá e abertura das Avenidas Agamenon Magalhães, Domingos Ferreira, Abdias de Carvalho, Nossa Senhora do Carmo e Dantas Barreto, requalificação do Cais do Apolo, da Praça da Convenção e da Praça da Independência, além de criar a Companhia de Habitação do Recife (COHAB), a Companhia de Abastecimento do Recife (COMPARE) e a Fundação Guararapes e, ainda, implantar um sistema de iluminação que, na época, fez o Recife ser a cidade mais bem iluminada do Brasil.
Tudo isto, no entanto, foi insuficiente para livrar Augusto Lucena da pecha de ser conhecido como ‘o Prefeito que destruiu a Igreja dos Martírios e o bairro de São José’.
Para quem não sabe da história, decidido a construir a Avenida Dantas Barreto no centro do Recife, Augusto Lucena autorizou a demolição da Igreja dos Martírios – um imóvel histórico construído em 1796 em estilo rococó, considerado até então uma das mais belas expressões arquitetônicas do País – e [autorizou a demolição] do casario tri secular que caracterizava o bairro de São José.
Pois bem.
Passados quase cinquenta anos desde a demolição criminosa da Igreja dos Martírios, o Recife volta a se deparar com situação que, guardadas as peculiaridades, se assemelha ao caso que destruiu a imagem histórica de Augusto Lucena.
Com efeito, nestes últimos tempos, alvo da cobiça da indústria imobiliária, o histórico edifício Holiday – uma belíssima construção, cujo projeto inovador marcou o início da expansão do Recife para a zona sul – vem sofrendo todo tipo de ameaça, em processo que, segundo urbanistas, visa, não a ‘limpeza social da região’ (expulsão dos pobres que nele moravam), mas, também, a disponibilização de valiosíssima área para construção pelas lobas do mercado imobiliário.
Em 2019, alegando problemas estruturais e riscos de incêndio, a prefeitura do Recife conseguiu uma decisão judicial para interditar o prédio, desalojando as mais de 3 mil pessoas que moravam no local.
A decisão mobilizou a sociedade, inclusive o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-PE), a Associação Brasileira de Engenheiros Civis (ABENC-PE) e a Escola Politécnica da Universidade de Pernambuco – os quais, além de atestar a solidez estrutural da edificação e elaborar projeto de instalações elétricas (para superar o risco de incêndio alegado), deram início a um projeto de engenharia financeira para viabilizar os recursos necessários para restauração do imóvel junto à Caixa Econômica.
A consciência cívica e a responsabilidade cidadã da comunidade, no entanto, não arrefeceram o apetite dos gulosos e, meses depois – em decisão estapafúrdia, pois nada neste sentido havia sido solicitado pelo autor da ação de interdição, o município do Recife (qualquer estudante do primeiro ano de Direito sabe que a Justiça não pode decidir sobre algo que não lhe tenha sido solicitado) – o juiz Luiz Gomes da Rocha Neto, da 7ª Vara da Fazenda Pública da Capital, determinou o leilão do Edifício Holiday.
Na época – enquanto corria à boca miúda a informação de que, useiro e vezeiro em estripulias inexplicáveis, o tal juiz Luiz Gomes da Rocha Neto tinha sido punido pelo CNJ com a aposentadoria precoce da magistratura e o Caso Holiday fora o último da sua carreira -, entre risos abafados, juristas compararam a a decisão do Leilão à situação na qual, diante de um processo de violação da lei do silêncio, o juiz determina que a parte reclamante seja obrigada a se mudar ou a se casar com a parte reclamada.
Um absurdo!!!
Mais uma vez, a comunidade se mobilizou e o leilão foi suspenso.
Aconteceu, então, o (in)esperado.
Durante uma providencial viagem do prefeito João Campos ao exterior e diante das desculpas da vice-prefeita e do presidente da Câmara Municipal para não assumir o cargo por conta da lei eleitoral, o presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco assumiu a prefeitura do Recife e, nos poucos dias que passou no cargo, reanimou o processo do Leilão, que voltou a andar. Nova mobilização da sociedade e nova suspensão da brutalidade.
Em maio deste 2024, o desembargador Antenor Cardoso Soares Júnior acolheu pedido da Defensoria Pública de Pernambuco e suspendeu o leilão.
Agora, no entanto, em 22 de novembro de 2024, em significava reviravolta do caso, alegando que “ a Defensoria Pública de Pernambuco não apresentou alternativas concretas de recuperação do Edifício Holiday”, o mesmo desembargador Antenor Cardoso Soares Júnior voltou atrás e fez retomar o caminho que pode levar ao leilão do prédio histórico.
Considerando que o Poder Judiciário de Pernambuco não quer levar em consideração os estudos realizados pelo CREA-PE, pela ABENC-PE e pela Universidade, talvez seja o caso do próprio prefeito João Campos (que é o responsável pela causa inicial) tomar para si a condução do caso e salvar o Edifício Holiday, dando, assim, uma grande contribuição a preservação do patrimônio urbanístico e artístico do Estado de Pernambuco.
Os pernambucanos têm certeza de que – assim como fez o grande governador Eduardo Campos, que, no momento certo, soube barrar a construção dos viadutos transversais propostos para a Avenida Agamenon Magalhães e que inviabilizariam a expansão Sul do metrô do Recife -, no momento certo, o prefeito João Campos vai suspender o Leilão e, com este gesto de grandeza, evitar o Leilão ‘arranjado’ sem entrar para a história como ‘o homem que derrubou o Edifício Holiday’.
Aliás, a vontade de demolir o edifício Holiday já cobrou um alto preço ao agora ex- juiz Luiz Gomes da Rocha Neto, que, nesta última eleição, não conseguiu sequer se eleger vereador de Camaragibe.
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