Aquele parecia um dia igual aos demais.
Ao final do culto, após o sermão de sempre, cobrando maior empenho e demonstrações de fé por parte dos fiéis, o Bispo Epaminondas recolheria a bolsa dos dízimos e, depois de fechar o templo do Tabernáculo Redondo dos Homens de Deus – a igreja por ele criada há pouco mais de dois anos para dar vazão aos dotes espirituais que julgava ter e garantir-lhe uma renda compatível com o conforto que julgava merecer -, acompanhado da irmã descoberta recentemente, iria para um motel de luxo, onde se entregaria aos carinhos que só ela sabia fazer.
Já se preparava para fechar o templo e cair na esbórnia quando, do nada, apareceu Ismael. ‘Pensou que eu tivesse me esquecido, Pastor’. Demorei porque não foi fácil achar o carro escolhido pelo senhor’, disse o fiel, balançando o chaveiro alegremente.
O Bispo Epaminondas, então, lembrou que, há quase uma semana, usando o vigor aprendido no curso para pastores sobre ‘Como abrir e manter uma igreja’, apontando para o carrão do fiel Ismael, cobrou-lhe um aumento no valor do seu dízimo : ‘A julgar pelo luxo do seu carro, você não está cumprindo suas responsabilidades financeiras com a Igreja. Isto é pecado mortal’.
Acossado pelo bispo, Ismael reconheceu que deveria aumentar o valor doado regularmente à igreja e, mais ainda, em troca do perdão dos seus pecados, à título de bonificação extra, poderia dar um carro de presente ao pastor.
O bispo aceitou a oferta sem pestanejar. E, depois de anotar a marca, o modelo e a cor do carro desejado pelo pastor, Ismael beijou-lhe o anel e, com uma barrufada, ganhou a avenida e desapareceu por uns dias.
Agora, no entanto, Ismael voltou.
Voltara, como ele mesmo disse na ocasião, para cumprir a promessa e, com isso, ganhar a remissão dos pecados que o faziam dormir com dificuldade. O presente deixou o bispo muito feliz.
Com um sorriso, quase sem ouvir a recomendação de manter o carro na garagem ‘até a documentação ficar pronta’ e, talvez, com medo de que o fiel se arrependesse da generosidade, depois de um rápido “seus pecados estão perdoados”, o pastor assumiu a direção do carrão e saiu em louca disparada.
A corrida não foi muito longe.
Na realidade, o bispo não teve tempo sequer para testar a velocidade máxima mostrada no odômetro. Seu entusiasmo esbarrou numa blitz policial.
Foi um desastre.
Depois de balbuciar sem resposta concreta ao ‘Por favor, mostre os documentos do carro’, o Bispo Epaminondas se viu algemado e encaminhado à Delegacia, onde, ninguém sabe como, era aguardado por uma multidão de jornalistas.
De nada adiantou dizer que ganhara o carro de presente de um fiel.
Ao tempo que Epaminondas era encaminhado para o cárcere, os jornais começavam a circular com a manchete ‘Bispo é preso com carro roubado’.
Enquanto isso, de volta à ação, mas sentindo-se leve pelo perdão recebido do Bispo, Ismael se convenceu do acerto da sua decisão de entrar para uma igreja e, mais ainda, de conquistar a proteção de um pastor. Talvez, quem sabe, no futuro ele mesmo abrisse uma igreja e formasse o seu próprio rebanho.
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