Depois que disseram que um norte-americano tinha estado na Lua em 1969, que Saddam Houssein tinha armas de destruição em massa, que Dilma Rousseff tinha cometido crime de responsabilidade e que Sérgio Moro era herói nacional [depois de disparates como estes], estabeleceu-se uma convivência do tipo São Tomé: qualquer um pode dizer qualquer coisa e, em contrapartida, qualquer um pode duvidar das coisas que ouvem.
Embora na maior parte dos casos, possam ser inocentes, palavras inconsistentes podem estar à serviço de uma causa bem definida e se prestam a objetivos pouco republicanos.
Dito isto, observe o caso do assassinato na madrugada da 5ª feira, dia 05/10/2023, em típica operação de execução sem poupar testemunhas, dos três médicos – Marcos de Andrade Corsato, Diego Ralf Bomfim e Perseu Ribeiro Almeida – num quiosque na orla da Barra da Tijuca, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro (também baleado, um quarto médico sobreviveu à chacina).
Por si só, o gravíssimo crime levanta muitas possibilidades e suspeitas, especialmente porque um dos mortos, o ortopedista Diego, era irmão da deputada psolista Sâmia Bomfim, que, nos últimos meses, ganhou notoriedade nacional pela forma contundente como denunciou os crimes do agronegócio na CPI do MST.
Aliás, por todas as razões, o múltiplo assassinato chamou atenção de todos, inclusive da mídia internacional.
Pois bem.
Já no dia seguinte, a menos de 12 horas do episódio, sufocando o noticiário e consumindo o espaço naturalmente merecido pela investigação iniciada pela Delegacia de Homicídios da polícia carioca e reforçada pela Polícia Federal e polícia paulista, ganhou força a versão de que os assassinatos estariam inseridos na guerra dos bandidos locais e, como se fossem coisa banal, teriam ocorrido em função da semelhança física de um dos médicos com um miliciano jurado de morte por uma facção rival (o médico Perseu Ribeiro Almeida teria sido confundido com o miliciano Taillon de Alcântara Pereira Barbosa).
Pronto! Estaria elucidado o triplo assassinato dos médicos, um dos quais irmão de uma combativa deputada odiada pelo agronegócio.
Para dar maior credibilidade à versão, ainda na 6ª feira, a polícia carioca encontrou os corpos dos quatro ‘assassinos’ – os quais, segundo a versão dominante na mídia, tendo em vista a gravidade do episódio, teriam sido sumariamente julgados e sentenciados à pena capital por um tal Tribunal do Crime’ do Comando Vermelho, reunido às pressas por teleconferência, inclusive com a participação de chefões presos em penitenciárias federais.
Pronto, insinua o noticiário. Pode parar a investigação, pois o crime foi elucidado e os culpados [foram] punidos exemplarmente.
E é assim, é?
Primeiro, esta história superconveniente está muito mal contada; depois, porque, mesmo que os eventuais assassinos tenham sido justiçados, há muito o que se investigar (inclusive, quem comandou o ataque).
De qualquer forma, a depender daquilo que vemos na investigação do assassinato de Marielle Franco, este caso tende a atravessar as décadas sob denso manto de interrogações e desinformações.
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