A chamada Classe Média é uma categoria social situada entre aquelas que abrigam os ricos e aquelas que abrigam os pobres. Seus membros, os médios, odiariam ser pobres e anseiam ser ricos, talvez, por isso, com base em algum dispositivo psicológico, tendem a ser rigorosos (e, mesmo, preconceituosos) com os pobres e, ao mesmo tempo, condescendentes com os ricos.
Na realidade, como os médios estudam e conseguem cumprir os mesmos graus escolares vividos pelos ricos, do ponto de vista cultural, estão a pouca distância do universo do ricos e, em contraponto, [estão] a anos-luz dos pobres. Do ponto de vista econômico, no entanto, a situação se inverte e, como têm renda relativamente pequena, os médios estão a pequena distância dos pobres e, em contraponto semelhante, [estão] a anos-luz dos ricos.
Naturalmente, esta condição é pouco percebida pela classe média, que só se dá conta da sua fragilidade econômica por ocasião das crises, quando percebe a rapidez como começam a apresentar sinais de pobreza – se deixam de receber salário por, digamos, três meses, as pessoas de classe média começam a atrasar a mensalidade da escola dos filhos, [começam] a não pagar o aluguel e a taxa de condomínio, começam enfim a reduzir o padrão de consumo se aproximando daquele apresentado pelos pobres.
Enquanto a crise não ocorre, no entanto, os médios agem como se ricos fossem.
Vale a observação que, embora a definição das classes siga critérios econômicos, do ponto de vista objetivo, a separação entre elas [as classes] ocupa uma zona cinzenta, na qual se movimentam as diversas categorias de ‘pobres-ricos’ e ‘ricos-pobres’.
Pois bem.
Com o avançar das crises econômicas, como esta que começou a se instalar no Brasil a partir de 2016 – retirados os poucos casos ocorridos nas regiões limiares (da riqueza) beneficiadas pelo processo de concentração de riqueza (próprio dos modelos liberais) e os naturais casos de mobilidade social e econômica (observados em todas as épocas naqueles bafejados pela ‘sorte’ -, houve uma completa regressão na renda (e, consequentemente, nos padrões de consumo) das pessoas da classe média.
Despertadas para a nova situação – percebendo o claro e acelerado processo de empobrecimento, impedidas de trocar o carro anualmente, precisando buscar planos de saúde mais baratos, [precisando] matricular os filhos em escolas públicas, [precisando] atrasar o pagamento das taxas de condomínio, dos serviços públicos e dos cartões de crédito, precisando adiar sine die a viagem de férias, vendo crescer o volume da sua demanda reprimida, as pessoas da classe média se descobriram próximas da classe pobre e começaram a exasperar, procurando dar algum charme aos novos hábitos impostos pela diminuição do padrão de consumo e, contra a vontade (diga-se de passagem), a recalcar o preconceito contra os pobres.
Esta é uma das razões que levam parte expressiva da classe média a rever a sua opção política e, como ocorre ao final de cada ciclo liberal, voltar a abraçar propostas de cunho social.
De fato, na presente quadra da história do Brasil, por uma questão de sobrevivência, a classe média está redirecionando as suas simpatias e, se conseguir vencer definitivamente o medo do avanço social e o preconceito contra pessoas oriundas da pobreza, vai contribuir para a grande derrota dos liberais atualmente encastelados no Palácio do Planalto, os quais, diga-se de passagem, apostando nas armas como recurso final para permanecer no ‘Olimpo’, tentam desesperadamente iludir o lumpezinato com promessas eleitorais insustentáveis como tábua de salvação.
De qualquer forma, mais uma vez, a inevitável crise que sempre convive com os regimes liberais despertou a classe média para sua realidade econômica, fazendo-a funcionar como o golpe de misericórdia que dá fecho ao ciclo liberal.