Muito obediente e submisso, Matheus cresceu numa das bolhas de desinformação existentes em Apucarana, no Paraná.
Com ouvidos dedicados exclusivamente às palavras do pastor e daqueles por ele [pelo pastor] indicados e autorizados, Matheus aprendeu que todo o mal sobre a face da Terra derivava de uns tais ‘esquerdistas’ – os comunistas que comiam criancinhas no café-da-manhã, que queriam calar as Igrejas, que eram responsáveis pela crucificação de Jesus Cristo, que queriam impor o vermelho (a cor do demônio) como símbolo nacional).
Na bolha, Matheus aprendeu que Jair Bolsonaro era uma espécie de messias, um enviado para guiar o ‘Povo de Deus’ ao paraíso.
Aprendeu, também, que quem pensava diferente era vagabundo. Durante a campanha eleitoral, convencido de que Jair Bolsonaro era o candidato de Deus, fez tudo ao seu alcance para derrotar o demônio. Louvou, orou, fez arminha, vestiu verde-amarelo, fez tudo o que lhe mandaram.
Veio as eleições e, surpreso com a derrota daquele que, segundo os pastores, iria vencer o pleito no primeiro turno, com quase 70% dos votos (os votos do mito teriam sido roubados pelas urnas eletrônicas fraudadas), Matheus se engajou na campanha pela ‘verdadeira democracia’, aderindo, primeiro, aos bloqueios nas estradas e, depois, aos acampamentos em frente a quartéis para exigir a intervenção do Exército, o fechamento do Supremo Tribunal Federal e a impugnação dos votos dos nordestinos.
Sempre confiando nas palavras do pastor e dos seus amigos, Matheus participou de manifestações e, com entusiasmo, soube das movimentações mais duras para garantir a permanência de Bolsonaro na presidência do País.
Era tudo o que ele queria. Arrebatado pelas coisas ouvidas na sua comunidade, Matheus não pensou duas vezes quando foi convocado para seguir para Brasília, onde, na condição de verdadeiro patriota, participaria do esforço para livrar o Brasil do comunismo.
E, assim, Matheus se alistou para a batalha patriótica.
Depois de alguns adiamentos por 72 horas, chegou o grande dia e, obedecendo a orientação dos seus pastores, juntamente com milhares de patriotas, Matheus invadiu a Praça dos Três Poderes.
A ordem era clara: deveriam quebrar tudo que pudessem. Esta seria a senha para o Exercito entrar em ação e suspender o funcionamento do Congresso, fechar o Supremo e devolver a presidência ao mito Jair Bolsonaro.
Ele fez a parte dele, mas alguma coisa deu errado. As promessas e previsões dos pastores de Matheus não se realizaram e – ao invés do comício para festejar a queda do Luladrão, a prisão dos comunistas e a recondução de Bolsonaro -, ele se viu recolhido à Papuda, longe de casa, apartado da família e desempregado.
Nos primeiros dias, um recado do pastor o tranquilizou, pois acenou com a iminência de uma anistia ou perdão presidencial e, mesmo, com uma indenização para os patriotas.
Matheus ficou feliz. Lembrado das palavras do pastor ainda em Apucarana, sabia que não seria abandonado.
Mas, não aconteceu assim.
Na realidade, progressivamente abandonado, tomando conhecimento de que Bolsonaro não era o homem-santo dito a ele e sem ver a realização de qualquer das promessas feitas a ele, Matheus foi perdendo a esperança e a confiança naqueles que o conduziram àquela situação.
A decepção foi grande, pois até mesmo o comportamento que lhe diziam ser demonstrações de patriotismo acobertadas pelo Exercito, na realidade, eram crimes gravíssimos – associação criminosa armada; abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça; e deterioração de patrimônio tombado.
E, um belo dia, Matheus foi julgado pelo STF, aquele que queria fechar. E, em meio à lágrimas, decepção naqueles nos quais confiara a própria vida, a certeza de que perderia os melhores anos da existência e a possibilidade de ter uma vida-normal, com apenas 24 anos, Mateus Lima de Carvalho Lázaro foi condenado a 17 anos de reclusão e ao pagamento de multa equivalente a R$ 44 mil.
A história de Matheus é a mesma vivida por muitas pessoas transformadas em instrumentos pelos controladores das bolhas de desinformação, [pessoas] que perderão a liberdade, o convívio familiar e social por terem sido usadas pelos espertalhões e por terem emprestado seus corpos para fazer o jogo sujo planejado pelos golpistas.
Para ser justa com pessoas como Matheus e tantos outros na sua situação, o Poder Judiciário brasileiro precisa julgar com o máximo rigor os planejadores, comandantes e financiadores do golpe de Estado tentado no Brasil pela extrema-direita neste Oito de Setembro.
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