Entre os artistas, quaisquer que sejam as linguagens nas quais se expressem, com raras exceções, há a clara consciência de que, com a saída das suas mãos e entrega ao público, as obras ganham vida própria e passam a falar por si mesmas.
Isto quer dizer que, independentemente da vontade ou do ciúme de quem a produziu, as obras de arte são autoexplicativas e têm interlocução direta e autônoma com o mundo que pretendem descrever e com aqueles que a apreciam.
De fato, em função das características que individualiza as pessoas na multidão, cada um sente e interpreta as obras de arte de modo peculiar, sem reproduzir, necessariamente, aquilo pensado ou desejado por seus autores, em fenômeno que, de certo modo, se ampara e amplia o universo do adágio ‘gosto não se discute’.
Esta situação ganha relevo quando se considera que, na maioria das vezes, o autor não tem a chance de explicar pessoalmente a sua intenção àqueles que desfrutam a sua arte ou, quando necessário, [não tem a chance] de encontrar argumentos capazes de demover interpretações diversas da sua.
Como não poderia deixar de ser, este fenômeno afeta todas as expressões artísticas – as pinturas, as músicas, as esculturas, as iguarias, os perfumes, as coreografias, os filmes, as fotografias, os textos e demais formas de descrever o mundo, inclusive as expressões fonéticas e matemáticas -, sendo causa de parte da insegurança que costuma perturbar os artistas.
Aliás, na maior parte dos casos, a forma e intensidade como os sentimentos do artista se projetam e despertam reações naqueles que desfrutam a sua arte é um grande indicador do talento.
Nesta perspectiva, quanto mais harmônica for a relação entre os sentimentos que o artista espera despertar e aqueles que efetivamente desperta, maior o talento revelado através daquela obra específica. Inversamente, o descompasso entre os sentimentos almejados e os alcançados revela pobreza artística – é o que acontece, por exemplo, com compositores de músicas fúnebres que, ao invés de pranto, despertam alegria ou de frevos que, ao invés de euforia, despertam tristeza.
Vale dizer que, intencionalmente, alguns autores elegem a incompletude, a inconsistência e a dubiedade como Estilo.
Neste caso, ao invés de apresentar uma obra ‘pronta e acabada’, [os autores] lançam mão da imprecisão como forma de estimular a imaginação do apreciador, em claro convite à sua participação (dele, do apreciador) no ato da criação artística.
É o que ocorre com comidas e bebidas, que, em função do gosto dos comensais, no momento da degustação, podem receber doses e pitadas adicionais de ingredientes (sal, açúcar, pimenta, etc.) para ajustar o sabor; ou o quê ocorre com roupas, que, em função da preferência dos usuários, no momento de vestir, podem receber complementos (echarpes, luvas chapéus, etc.) para refinar a satisfação.
Não é diferente na literatura.
De fato, assim como artistas das outras linguagens, escritores desenvolvem técnicas para ampliar o envolvimento dos leitores com suas obras.
Palavras que, aparentemente, dizem nada e que, ao mesmo tempo, a depender daquilo que o leitor quer ouvir, dizem tudo. Recorrendo a instrumentos sutis, como entrelinhas, misteriosos, como omissões e, mesmo, ostensivos, como finais abruptos, para elevá-los (os leitores) à condição de coautores.
Nestes casos, involuntariamente, os leitores são alçados a um novo patamar de interlocução com a obra literária e, como se fossem parceiros do escritor, passam a ‘escrever’ parte do livro, normalmente adicionando em seu imaginário aquilo que gostaria de ver escrito.
De qualquer forma, em todos os casos, com ou sem permissão e estímulo dos autores, ao chegar ao público, as obras de arte ganham vida e passam a contar as suas próprias histórias.