A ex-garçonete de Balneário Camboriú Cristiane da Silva é uma moça viajada.
Com apenas 33 anos, já morou na Argentina, no Peru, na Colômbia, no Panamá, no México e, nos últimos meses, nos Estados Unidos.
Sua experiência internacional começou assim:
Belo dia, seduzida pela proposta de viajar a Brasília ‘com tudo pago’, junto com outras pessoas, Cristiane da Silva embarcou no ônibus alugado por um senhor careca e iniciou uma viagem que terminou por levá-la à Terra do Tio Sam.
Logo no começo, em meio a cântico e louvores que não conhecia, Cristiane recebeu um ‘kit da liberdade’, que, entre outras coisas, trazia uma camisa da seleção brasileira.
Uma beleza de viagem!
Muita cantoria, muita comida. Em Brasília, ao invés de algum hotel, o ônibus foi conduzido a um acampamento em frente ao QG do Exército, no Setor Militar Urbano.
No começo, Cristiane entranhou um pouquinho, especialmente quando viu um pessoal cantando o hino nacional em torno de um pneu, mas, relevou pois aquilo deveria, segundo pensou, fazer parte da viagem.
“Hoje vai ser o dia”, uma voz gritada num megafone anunciou que alguma coisa estava prestes a acontecer.
E estava mesmo.
Cristiane foi orientada a seguir um pessoal e a ‘fazer tudo que lhe fosse mandado’.
Era o dia Oito de Janeiro de 2023.
Seguiram para a Praça do Três Poderes, onde houve muita confusão. Muita correria. Muita quebradeira.
No fim do dia, tangida pela policia, ela estava de volta ao acampamento, então sitiado por tropas militares.
Cristiane ainda não sabia, mas, sem saber, entrara na estrada que a levaria ao inferno.
No dia seguinte, ainda aturdida, foi presa e encaminhada à Colônia Penal Colmeia.
Daí em diante, as coisas aconteceram muito rápido.
Considerada ‘peixe pequeno’ e reles ‘inocente útil’, ao contrário do ocorrido com outros vizinhos de barraca no acampamento, Cristiane Silva foi julgada apenas por ‘associação criminosa’, tendo sido condenada a um ano de prisão.
Assim como fez com todo o pessoal que embarcou no Oito de Janeiro sem saber porquê, além da condenação leve, o Supremo Tribunal Federal (STF) converteu a pena aplicada a Cristiane em prestação de serviços comunitários, pequena multa e a participação em curso sobre democracia.
A via Crucis de Cristiane poderia ter acabado aí se não fosse o seu jeito de ser.
De fato, lembrado da forma ‘afável’ com aceitou a missões que lhe foram dadas durante a viagem à Brasília, um rapaz vestido com uma camisa ver-amarela a convenceu de não assinar nada, nem mesmo a ‘persecução penal’ proposta pelo STF, pois ‘os patriotas tinham sido alvo de uma armadilha da esquerda’.
Mais ainda. Cristiane foi convencida a fugir do Brasil e foi isso o que ela fez.
Em companhia de outras pessoas igualmente condenadas pelo Oito de Janeiro, ela atravessou a fronteira e fugiu, inicialmente para a Argentina, depois para o Peru, para a Colômbia, para o Panamá, para o México até chegar aos Estados Unidos – o país dos seus sonhos.
Lá, na condição de imigrante ilegal, trabalhou duro – lavou banheiros, varreu quintais, lavou louças.
Já estava se desiludindo com os Estados Unidos quando veio o pior.
Imagine que no dia 21 de janeiro de 2025, um dia após a posse de Donald Trump (o candidato da Direita pelo qual tanto torcera), Cristiane da Silva foi capturada em El Paso, no Texas.
O campo de concentração no qual ficou presa por quatro meses, até ser deportada para o Brasil, era muito pior do que a Colmeia.
Na tarde do sábado passado, sabendo que há um mandado de prisão contra si e sem saber o destino que a aguarda, Cristiane chegou a Fortaleza a bordo de um desconfortável avião-cadeia.
Com ela, também chegaram três das suas colegas no Oito de Janeiro – Rosana Maciel Gomes, condenada a 14 anos de prisão; Raquel de Souza Lopes, condenada a 17 anos [de prisão]; e Michely Paiva Alves, que aguarda julgamento.
Disposta a esquecer este período nefasto, Cristiane decidiu nunca mais conversar com gente vestida de verde-amarelo e vai fazer promessa para o STF fingir que não sabe da sua rebeldia e renove a oferta de persecução penal.
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