Ao ocupar um cargo, as pessoas deixam de ser apenas elas próprias e, naturalmente, incorporam a sua essência [essência do cargo ocupado], agregando um CNPJ ao seu CPF.
Ao suceder a mãe Isabel II, em 2022, por exemplo, o cidadão britânico Charles Philip Arthur George deixou de ser apenas Charles Philip e passou a ser Charles III, o rei do Reino Unido, passando a desfrutar todos os bônus e ônus devidos à posição. Nesta perspectiva, da mesma forma que um eventual regicídio de Charles III também mata a pessoa física de Charles Philip Arthur George, os salamaleques a ele direcionados [direcionados a Charles Philip Arthur George], na realidade, o são para o rei Charles III (e, portanto, ao próprio Reino Unido, do qual é o maior representante).
A dupla condição exercida por aqueles que exercem cargos dá margem a muitas ‘confusões’, especialmente entre o público e o privado.
Por esta razão – inclusive com o objetivo de evitar apropriação indébita ou, na visada inversa, subornos -, a maior parte dos países se preocupa em estabelecer regras para separar aquilo que é de direito da pessoa física daqueles que exercem cargos e [aquilo que é de direito] da pessoa jurídica referente ao cargo exercido.
Eventualmente, por má fé ou outra razão qualquer, a autoridade finge não saber o limite entre o público e o privado, confunde as coisas e, como fez Jair Bolsonaro no caso das joias sauditas, tenta açambarcar aquilo que foi dirigido ao cargo por ele exercido [pessoa jurídica].
Por estes dias, um caso de repercussão mundial preencheu a moldura criada por estas reflexões.
De fato, para realçar a simpatia dos líderes dos países árabes visitados recentemente por Donald Trump (Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos), a família real do Catar o presenteou (presenteou o presidente Donald Trump) com nada menos nada mais do que um avião Boeing 747-8 – um mimo avaliado em US$ 400 milhões (cerca de R$ 2,2 bilhões).
Diante da repercussão do caso, o Pentágono distribuiu nota reconhecendo o mimo, mas informando que o avião de luxo substituirá o Boeing 747-200B e assumirá a condição de ‘Air Force One’, o avião oficial da presidência dos Estados Unidos.
Acontece que, tal como fez Jair Bolsonaro com as joias sauditas, Donald Trump já avisou que o avião foi um ‘presente pessoal’ – um claro indicador de que, ao deixar o cargo, o levará consigo.
Por justa razão, a aceitação do mimo dado pelo Catar vem provocando situações embaraçosas para o governo dos Estados Unidos.
Ontem, por exemplo, horas após a distribuição da nota do Pentágono, ao encontrar-se com Donald Trump na Casa Branca, com o sarcasmo irônico que o caso merece, o presidente da África do Sul Cyril Ramaphosa disse ao líder capitalista que sentia muito “não ter um avião para dar-lhe de presente”. Sentindo a pressão na titela, emboçando um sorriso sem graça, Donald Trump retrucou: “Queria que você tivesse. Se o seu governo me desse um avião, eu aceitaria”.
Será que, ao final do mandato, Donald Trump vai seguir o exemplo de Bolsonaro e colocar o super mimo à venda?
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