Existem palavras e termos que, por serem ‘doces’ e ‘tornarem o mundo melhor’, são usadas por todos de forma abusiva e, muitas vezes, desprovidas de conexão com o seu significado básico, abrindo um vasto campo para a ação daqueles que procuram atingir objetivos através da sua manipulação [manipulação da palavra] e, neste embalo, [através] da construção e disseminação de cenários de pós-verdade e de Fakenews.
Entre estes termos e palavras mágicas (amor, justiça, liberdade, Jesus e tantas outras), está Democracia – palavra referida originalmente à forma de governo na qual o poder é exercido pelo Povo (Demo=Povo e Cracia=Governo), bem traduzido por Abraão Lincoln em Gettysburg como “o governo do Povo, pelo Povo e para o Povo”, cujo significado vem sendo modificado ao sabor da vontade e do interesse dos poderosos, ganhando interpretações que a alteram substancialmente.
Embora a primeira grande deturpação do conceito esteja na sua origem (na Grécia antiga, os escravos não eram considerados Cidadãos e estavam excluídos das formulações), a manifestação mais notável da manipulação está na reinterpretação que introduziu o conceito de ‘democracia representativa’, transferindo o poder de Povo para seus representantes (vereadores, deputados, senadores, etc).
Daí às corruptelas que deturparam a prática da ‘Democracia’ foi um passo, pois, objetivamente, por esta nova formulação Democracia deixa de ser ‘governo do Povo’ para ser ‘governo de representantes do Povo’ e, em paródia a Lincoln, passa a ser ‘o governo dos representantes do Povo, pelos representantes do Povo para os representantes do Povo’.
Embora para uns pareça coisa menor, esta modificação não é sutil e, na realidade, altera tudo. De fato, ao basear seu funcionamento na figura do ‘representante’, com justa razão, a Democracia representativa supervaloriza a importância da escolha dos representantes, introduzindo o conceito de ‘eleições democráticas’.
E, assim, neste embalo, o conceito de Democracia foi completamente modificado e, nos termos da versão criada pela manipulação, [Democracia] deixou de ser uma forma de governo para ser uma mera forma de escolha de governo.
Ou seja, à luz da versão em vigor, para ser considerado ‘democrático’, pouco importando a forma como o exerça, bastará o governo ser fruto de eleições democráticas’.
Aliás, sabendo disso, sonhando em exercer o mandato de forma livre e desembaraçada de qualquer compromisso ou freio, os políticos ‘democráticos’ concentram sua atenção nas eleições e em como vence-las.
Não é sem razão que, desiludidas com a forma irresponsável e desconectada com o bem-estar como políticos ‘democráticos’ vêm exercendo os governos, tantas pessoas estejam perdendo o encanto pela Democracia, se dispondo, inclusive, a pensar em entregar-se a pensamentos autoritários.
A Democracia precisa reagir.
As pessoas precisam voltar a saber que Democracia não é um modo de escolha e sim uma forma de governo.
As pessoas precisam voltar a saber que – pouco importando a forma como foram eleitos -, se não governarem com o Povo, pelo Povo e para o Povo, não serão democráticos.
A Democracia precisa evoluir pelo expurgo dos adereços que recebeu ao longo do tempo para recobrar a dimensão original.
A Democracia precisa voltar a ser um governo do Povo, pelo Povo, para o Povo’.
Só isso.
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